O relógio marca Seis horas. Seis horas disfarçadas pelo precoce anoitecer de inverno. A cidade começa a iluminar-se, aos poucos, entregando-se à pressa rotineira daquelas sombras que por ali passam.
Eu encho o peito de tranquilidade e sinto-me - mais do que nunca - minha. Vêm pedir-me dinheiro, mas viro a cara e continuo. Percorremos a avenida de uma ponta, à outra.
Na minha cabeça ecoam palavras perdidas, que não são minhas, nem para mim. Quero agarrar aquele momento, quero sentir-me assim, como há muito não sentia.
Sorri quando quer chorar, chora quando devia sorrir.
Corre em circulos atrás dela mesma. Perde-se, não se acha.
Quero resgatá-la, mas não vejo nada que a faça flutuar. Ainda a vislumbro à superfície, mas deixo-a ir, lentamente.
Já não lhe tenho qualquer apego. E sim, digo isto friamente. Foi naquilo que, tanto temi, acabei por me tornar. É-me indiferente. Esquerda, ou direita, por enquanto fico no meio.
qualquer que não sei bem de onde veio. Tenho sede, mas ninguém me dá água. Nem para me levantar tenho coragem. Fraca. Fraca. Fracassa.
Como ele. Rio-me, porque me tornei como ele, igual a ele. O que eu era fugiu de mim. Deixou-me este corpo inútil, que não sabe sentir. Que só vive de imitações. E outros enganam-se. Todos. Nem para imitar sabe. Não serve para nada.
Chega de gravarem na vossa pele os mesmo pássaros que toda a gente. Chega de símbolos do infinito, promessas vãs de eternidade, falsos sofrimentos eternos e corações irreparáveis. Chega de yolo's e "e desperdiçar a nossa vida hoje numa porcaria qualquer que nos comprometerá o futuro". Chega de "young, wild and free". Chega de partilharem fotos de sexo, quando isso não vos diz minimamente nada. Chega de falsas imagens, de teorias e aspirações a vidas que não existem. Ouviram bem? N-Ã-O E-X-I-S-T-E-M. Párem de tentar ser quem não são e lutar contra vocês mesmos e o mundo. Não serve para nada, não é nada.
Desliguem-se de toda essa teia virtual em que se enrolaram. Abram os olhos mas, muito mais que isso, as vossas mentes. Pensem no que está à vossa volta. "Pensem".
Chamam-lhe dom, chamam-lhe "desperdício". Eu ouço. Ouço, mas não percebo. Não consigo. E então tento sair de mim e ver-me dos olhos deles. Mas não consigo.
Ah, quem me dera ser eles por um dia! Não ter a maldição - ou dom (?) como eles lhe chamam- de mostrar aos outros de uma forma, ou de outra, aquilo que não me flui por palavras.
Gostava de percebê-los. Esquecer-me de mim por um bocado. E, finalmente, perceber-me. No fim disto tudo acho que o problema é que não me encontrei ainda. E tenho medo de falhar, não aproveitar o que me é devido.
Desculpem. Não sei em concreto porquê, mas peço que me desculpem. Talvez por tudo. Este nada que é tudo. Sim, talvez seja isso. Talvez.
somos todos muito mais do que a máscara que usamos. Ninguém se mostra na sua essência, como espécie de autodefesa. E ninguém, mas mesmo ninguém, além de nós próprios, tem a minima noção do que passamos nesta vida.
Não se esqueçam disso, como se esqueceram de mim, e eu me esqueci de alguns.