Insignificâncias e Insensibilidades
Vou começar isto com uma frase pseudo-filosófica de trazer por casa, mas é verdade: a vida é a personificação da ironia. Seja lá isso o que fôr. Mas é, garanto-vos. Eu nunca fui muito de sensibilidades, nem de demonstrações de afeto. Contudo, exatamente no dia em que fazia um ano em que a vida me assustou, e repensei em tudo aquilo que queria, a um ano de distância e de dissipação do medo, veio ela outra vez, a vida, e moldou-me aquilo que eu achava que não tinha. Ver nascer uma criança pode ser desagradável, ou maravilhoso, consoante o ponto de vista. Já vi nascer crianças, e perguntaram-me: "Não te emocionaste?" e eu, sem querer parecer muito insensível, disse "Não, mas confesso que mexe comigo". Mentira. Achei curioso, diferente, mas apenas isso, não mexeu cá nada. Mas naquele dia, exatamente um ano depois, vem a vida e surpreende-me outra vez. Não vi nascer uma criança, vi o amor a acontecer. Não vi aqueles pais que, não cabendo em si de felicidade, a transbordavam pelos olhos, mas vi antes o poder que é amar alguém que nunca se viu; Amar alguém que não se conhece, e que num momento, se torna tão seu, e que apesar de não se conhecer fisicamente, conhece-se. Tão seu, que mais nada importa, e o mundo, ao lado do tamanho daquele amor, torna-se um lugar insignificante.