O Zé
Hoje de manhã finalmente me decidi a começar a estudar alguma coisa, e lá fui para a biblioteca.
No entanto, passados cerca de 10 minutos, vejo entrar por aquela porta o Zé. Fiquei mais do que admirada: o Zé?? Veio à biblioteca??
Ora passo a explicar: o Zé é aquele tipo de rapaz que muitos, baseados na sua aparência, consideram como o «rufia». Mas enganam-se.
Nós andámos na mesma turma há já alguns anos, quando tinhamos 11 ou 12 anos. Ele faltava às aulas, fumava nos intervalos, discutia com os professores, mas, acima de tudo, era imcompreendido.
Não me recordo de como começámos a falar, mas sei que a início o nosso diálogo não foi, de todo, fácil. Pelo contrário. Mas à medida que o tempo decorria, eu ía-me apercebendo da pessoa maravilhosa que ele era. O zé sempre foi um rapaz muito inteligente; e, no fundo, era muito boa pessoa, ajudando-me, inclusive, quando mais precisei.
Mas é claro que a grande maioria prefere «rotular», em vez de compreender o outro. Muitas vezes o que causa mais impacto é a marca dos sapatos, ou a camisa bem apresentada, e esquecemo-nos do que realmente conta.
Porque apesar de toda a «porcaria» - que não tem outro termo - que o Zé fazia, ele necessitava, acima de tudo, que alguém se tentasse pôr no lugar dele e tivesse a familia (?) que ele tinha, os problemas que ele sofria em casa. Mas ninguém viu. Ninguém tentou. E o Zé, mais uma vez, chumbou.
Passaram-se mais alguns anos, e reencontrei-o no final de umas férias de Verão, quando estávamos prestes a iniciar o Ensino Secundário.
E eu, sem saber muito bem o que esperar daquela resposta, perguntei-lhe se ele iria continuar a estudar, ou se ía para a minha escola - ao que ele me respondeu enquanto se ria:
"Achas mesmo que vou para uma escola dessas cheia de betinhos como tu?"
"Continuas o mesmo"- pensei.
Entretanto nunca mais falámos. Vimo-nos uma vez, ou outra, na rua e ele cumprimentava-me apenas com um tímido aceno de cabeça.
Nunca mais soube nada dele. Até hoje.
Sentou-se na mesa do fundo a folhear um jornal, e entreteve-se assim durante algum tempo. Nunca me dirigiu a palavra. E eu, guardava para mim uma insegurança estúpida de se ele, porventura, ainda se recordaría de mim. Lembrei-me de tudo isto, das nossas brincadeiras, das parvoíces dele.
Quando finalmente ganho coragem para lhe dirigir a palavra, levanto a cabeça dos livros e vejo-o a sair. Deixou apenas o jornal em cima da mesa.
E eu, fiquei ali durante alguns instantes a olhar para aquela cadeira vazia, e a interrogar-me acerca do futuro de todos os "Zé's" da nossa sociedade.